Copa 2014 em Natal: o legado
Lembro-me como se fosse hoje. Era tarde de domingo, 31 de maio de 2009. Joseph Blatter, presidente da FIFA, anunciava, até com certo entusiasmo, Natal como uma das 12 cidades-sedes da Copa do Mundo de 2014. Confesso que naquele momento não consegui segurar a emoção e vibrei feito criança, senti a mesma sensação de comemorar um gol da Seleção Brasileira numa decisão de Mundial (que Graças a Deus já vi, em 1994 e 2002).
Pensei na época: não acredito que vou estar vivo para ver Natal, finalmente, ser conhecida pelo mundo inteiro. E com a ingenuidade de uma criança passei a sonhar. Imaginei Natal como uma cidade desenvolvida, como àquelas que já vimos em filmes hollywoodianos. Prédios modernos, emaranhado de avenidas, túneis, pontes e viadutos. Uma metrópole.
Já se passaram 33 meses depois do anúncio que levou boa parte da população às ruas e deixou políticos com sorrisos de orelha a orelha. E são estes mesmos políticos que estão conseguindo transformar meu sonho de criança em pesadelo. A alegria e a ingenuidade deram lugar a tristeza e a indignação. A metrópole está virando favela, como a carruagem virou abóbora.
Por enquanto, o único legado, palavra tão propalada nos últimos anos quando o assunto é Copa do Mundo, é o estádio Arena das Dunas, que por muito pouco, mas por muito pouco mesmo não virou pó. Mas, calma! Nada de festa, pois o estádio ainda não ficou pronto. E diante de tanta lambança para se organizar o Mundial em Natal é bom ter cautela.
Alguns podem indicar o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante e o prolongamento da Avenida Prudente de Morais. No entanto, estas são obras que já existiam e apenas ganharam um “empurrãozinho” com a Copa. Tudo bem, não deixa de ser um legado. Mas, o verdadeiro legado ninguém sabe, ninguém viu. É decepcionante ver que até quando se trata de um evento desta magnitude, desta importância, a politicagem impera em nosso pobre Estado.
Cursos de idiomas foram anunciados com “pompa” na mídia. Que cursos? Conversando com taxistas, todos foram unânimes em afirmar que os tais cursos de inglês e espanhol não saíram do discurso. Aliás, como ensinar outra língua para gente humilde que mal sabe falar o português, como eles mesmos, taxistas, a maioria com o Ensino Fundamental incompleto, questionam? Encontrar alguém que fale outra língua em Natal ainda é um desafio.
As obras de mobilidade urbana, outra bandeira politiqueira do Poder Público Potiguar, não saem do papel. E por lá devem permanecer. As que saírem não ficam prontas antes da Copa. Podem anotar. É muita obra para pouco tempo, algumas "poucas" desapropriações (429 imóveis)... A pergunta que fica é: porque já não iniciaram estas obras? Incapacidade administrativa, diriam alguns. Culpa do excesso de burocracia, diriam outros. Para mim uma coisa e outra, além da politicagem. É óbvio que os técnicos do Poder Executivo, municipal e estadual, não vão confirmar o que afirmo aqui.
A obrigação deles, técnicos da prefeitura e do governo estadual, é de “seguir o mestre” e manter o discurso de que tudo o que foi assinado na Matriz de Responsabilidade vai sair do papel. Alguém pode jogar Natal na “vala comum”: Ah! Mas, as obras estão atrasadas nas outras cidades-sedes também. Não interessa. Estou falando da minha cidade: Natal.
O que acontece e ninguém tem a coragem de dizer, ou porque tem “rabo preso” ou por ter amigos e familiares com cargo comissionado no serviço público, algo muito comum em Natal, é que o Poder Público, seja em Natal ou no Estado do Rio Grande do Norte, independente de bandeira partidária, nunca deu à mínima para o esporte. E o futebol está neste contexto. Alguém sabe qual o estádio alternativo de Natal, depois da derrubada do Machadão? América e Alecrim, que o digam. O descaso é total. E o Juvenal Lamartine? Ah, o JL...
A impressão que dá, além das picuinhas politiqueiras que assistimos sem vergonhosamente todos os dias, através da imprensa, é que o Poder Público Potiguar está achando que a Copa do Mundo de Futebol é apenas e tão somente mais uma competição esportiva, assim como o Campeonato Estadual de Futebol. E estão tratando a Copa com o mesmo desdém. Para começar, Governo do Estado e Prefeitura de Natal não se entendem. Pai da criança tem aos montes, quero ver o exame de DNA. Mas, não interessa aqui descobrir quem é o pai.
Essa desfaçatez política está em todos os setores. Na infraestrutura, no turismo... Faz vergonha, por exemplo, receber um turista em Natal. Neste último verão recebi reclamações de vários colegas e familiares de fora, uns até do Canadá. São praias urbanas abandonadas, ruas e avenidas esburacadas, calçadas sujas e sem acessibilidade, insegurança pública generalizada, sistemas de saúde e educação sucateadas e mal gerenciadas... Um caos!
Ah, mais faltam recursos no pobre estado potiguar. Não acredito! O que falta mesmo é capacidade de gestão. A dois anos da Copa quem acredita que Natal vai, realmente, se desenvolver “50 anos em 5”, como quer alguns políticos, plagiando o presidente Juscelino Kubitschek e seu Plano de Metas. E olha que nem falei do projeto faraônico que contemplava o Complexo Arena das Dunas, com largo artificial, parque, museu, hotéis, shoppings, centros administrativos...
Acompanho o processo da Copa de 2014 em Natal de perto, na condição de jornalista correspondente do Portal Copa 2014 - www.copa2014.org.br - e, apesar do otimismo, não acredito mais no tal legado da Copa para Natal. Arena das Dunas? Talvez. Mas, como o ABC não abre mão de jogar no seu estádio, o Frasqueirão, que deve ser reformado em breve para servir de Centro de Treinamento na Copa, e o América já anunciou a construção de sua arena, o que será do estádio da Copa em Natal? Vai virar um Elefante Branco, como torcem alguns? Tomara que não. Que tenhamos, pelos menos, um estádio de legado.
*George Fernandes é jornalista, cronista esportivo e correspondente do Portal Copa de 2014.
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